Depois de cumprir pena de prisão, ser considerado livre pela Justiça nem sempre
significa liberdade para um ex-detento. Marcados para sempre pela condenação,
egressos do sistema penitenciário fluminense enfrentam muitas dificuldades para
encontrar emprego e serem reinseridos na sociedade.
Todo ano, milhares de presos saem das cadeias do Rio de Janeiro. Desde 2010,
quase 50 mil presos deixaram o sistema penitenciário fluminense. Mas apenas uma
fração desse contingente é absorvida pelo mercado de trabalho formal.
O motivo principal, segundo presos e ex-detentos ouvidos pela Agência
Brasil, é o receio das empresas de contratar uma pessoa que cometeu
crimes (algumas vezes violentos), mesmo ela tendo, perante a Justiça, pago sua
dívida com a sociedade.
Condenado a 12 anos de prisão, Taiguara Neves da Silva, de 38 anos, saiu do
regime fechado (em que o preso deve ficar o tempo inteiro no presídio) há mais
de um ano, mas ainda não conseguiu de volta o desejado emprego como soldador
industrial. Cumprindo pena em regime aberto, em que seus passos são monitorados
por uma tornozeleira eletrônica, Silva tenta há vários meses ser contratado por
um grande estaleiro naval.
“Desde fevereiro até agora, eles já me pediram oito itens [exigências]. Eu já
atendi a todos eles, mas até agora nada. Eles disseram que o laudo de uma
cirurgia que eu fiz em 2004 já estava caduco. Consegui um laudo mais recente e
levei até a firma. Chegando lá, eles arrumaram outra exigência. Pediram para eu
mudar meu endereço na Defensoria Pública, eu mudei. Pediram para alugar uma casa
mais próxima do estaleiro e eu aluguei por R$ 300. Não morei um só dia na casa e
não consegui meu emprego de volta”, disse.
Silva provavelmente ainda estaria desempregado se não conseguisse uma vaga de
faxineiro na Fundação Santa Cabrini, instituição vinculada ao governo do estado
e voltada para a inserção dos presos e ex-detentos no mercado de trabalho.
“Acredito que essas exigências todas [do estaleiro] têm a ver com o fato de
eu ser ex-presidiário. Eles alegam que não, mas mandam eu arrumar um monte de
coisa, e eu, no maior sufoco, arrumo. No final, nunca dão uma posição concreta”,
disse.
Aos 65 anos, o mecânico José Braga enfrenta dificuldade semelhante há mais de
dez anos. Ele conta que cumpriu 30 anos em regime fechado, depois de ser preso
por assalto à mão armada. Quando saiu da prisão, até conseguiu alguns empregos
na iniciativa privada, mas não ficou por muito tempo em nenhum deles.
“Sem dúvida há uma discriminação contra ex-presidiários. O patrão ou a
empresa faz um levantamento da vida pregressa da pessoa. Quando vê que a pessoa
cumpriu pena, pode até empregar, mas se surgir qualquer coisa mínima dentro da
empresa, ela é dispensada. Tive vários problemas. Estava empregado, já
trabalhando, aí eles viam minha ficha e viam que eu era ex-presidiário, me
mandavam embora. Isso não aconteceu em uma empresa, mas em várias delas.”
O ex-militar hoje também depende da fundação pública para garantir seu
sustento. O presidente da Fundação Santa Cabrini, Jaime Melo, diz que não há
estatísticas precisas sobre quantos egressos do sistema penitenciário fluminense
conseguem emprego depois de cumprir pena, mas garante que são poucos.
“Há um estigma natural, uma vez que ninguém está lá [na prisão] à toa. A
sociedade é precavida. Mas, ao meu ver, é uma precaução que não ajuda em nada.
Essas pessoas só voltarão a viver em paz na sociedade se dermos uma
oportunidade”, disse Melo.
Mesmo tendo sofrido na pele a dificuldade de se reinserir no mercado de
trabalho, Taiguara Neves da Silva sabe que o primeiro passo para arrumar um
emprego precisa ser dado pelo próprio ex-preso, que precisa querer
trabalhar.
“Muitos companheiros que estavam comigo lá [na prisão] nem pensam em correr
atrás para ficar tranquilos e voltar para a sociedade quando sair. A verdade é
que, para você entrar [na prisão] é uma porta muito larga, mas para sair é uma
porta muito complicada. Então, muitos já saem no intuito de 'meter a mão' de
novo, porque é muito complicado”, disse.
Atualmente, a fundação é um dos principais caminhos para integrar ex-detentos
no mercado de trabalho. São 358 pessoas empregadas na própria instituição ou nas
30 empresas que mantêm convênios com ela.
O presidente Jaime Melo acredita que a oportunidade de emprego para essas
pessoas vai melhorar bastante com a Lei Estadual 6.346, aprovada em novembro de
2012, que obriga empresas prestadoras de serviço ao governo fluminense a
reservar 5% de suas vagas de emprego para egressos do sistema penitenciário do
estado. A lei, no entanto, ainda precisa ser regulamentada.
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